Transformando a gestão interna das ONGs com tecnologia
Ainda existe uma resistência frequente, no terceiro setor, à adoção de sistemas e tecnologias, como se fossem uma complicação desnecessária ou uma forma de “corporativizar” a ação social – ou seja, de transformar a dinâmica cotidiana das ONGs em algo excessivamente burocrático, engessado ou distante da sua essência humanitária. Mas a realidade mostra justamente o contrário: quando são escolhidos e implementados com clareza de propósito, esses recursos têm potencial para tornar a rotina das equipes mais produtiva, profissional e transparente. Pesquisas globais, como o Nonprofit Trends Report da Salesforce (2023) indicam que organizações com alta maturidade digital são significativamente mais eficazes: elas têm 1,9 vezes mais chances de relatar melhorias na eficiência organizacional e no impacto de sua missão, e são 3,5 vezes mais propensas a atingir seus objetivos institucionais em comparação com aquelas com baixa maturidade digital. Além disso, a mesma edição mostra que o uso de tecnologias digitais se consolidou como norma para comunicação interna. Muitas organizações reportaram avanços na colaboração entre equipes, aumento da agilidade na resposta a crises e melhorias no planejamento estratégico – indicadores importantes de que a digitalização, quando bem direcionada, fortalece a cultura interna. No Brasil, várias organizações já comprovam isso na prática. Algumas adotaram sistemas internos para controle de doações e despesas por projeto, resultando em relatórios mais ágeis e precisos e sem sobrecarregar a equipe com tarefas manuais ou retrabalho. Outras instituíram processos padronizados para organizar contratos, atas e documentos fiscais, com histórico de versões e mecanismos de auditoria, o que reduz erros e fortalece a conformidade interna. Também há casos em que fluxos de trabalho passaram a ser acompanhados por sistemas colaborativos, com definição clara de responsabilidades, prazos e entregas, promovendo maior alinhamento entre os times internos e voluntários. E iniciativas voltadas à coleta de dados para monitoramento e avaliação de projetos têm capacitado equipes internas a produzirem e usarem relatórios sem depender exclusivamente de setores administrativos: um avanço chave na construção de cultura transparente. Esses exemplos mostram que o uso de tecnologia em gestão interna alcança resultados concretos: equipes mais eficientes, processos profissionalizados, dados confiáveis em tempo real e, acima de tudo, confiança reforçada por parte de financiadores e parceiros. Em minha experiência no INCAvoluntário, onde atuo como gerente-geral desde 2023, e como captadora de recursos há 11 anos, conduzimos mudanças nessa mesma direção. Implementamos um sistema para gerir o atendimento aos pacientes, inserimos ferramentas que automatizam relatórios financeiros para doadores, e redesenhamos nossa presença digital para comunicação com parceiros. Mas nada teria sentido sem uma agenda de capacitação: voluntários e colaboradores foram treinados para entender, usar e se apropriar dessas novas ferramentas. O impacto tem sido crescente: maior agilidade no trabalho diário, redução de falhas, equipes mais engajadas e processos mais transparentes. Hoje, conseguimos gerar relatórios consistentes em menos tempo e com visibilidade interna e externa, algo fundamental para manter a confiança dos financiadores e legitimar as práticas institucionais. A tecnologia, quando bem incorporada, se revela como meio, não fim. Ela empodera as pessoas, torna a rotina mais fluida, melhora a prestação de contas e fortalece a cultura organizacional. Se queremos profissionalizar as ONGs, aumentar a produtividade e consolidar a transparência, o primeiro passo é olhar para dentro com olhos atentos e com vontade de transformar rotinas. O futuro do setor será cada vez mais construído por quem investir na própria estrutura com propósito e responsabilidade. *A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor Sobre a autora: Fernanda Vieira é gerente-geral do INCAvoluntário, área de ações sociais do Instituto Nacional de Câncer.
Transformando a gestão interna das ONGs com tecnologia Read Post »